Por que a Ponte Hercílio Luz simboliza a nova mobilidade em Florianópolis?

Projeto Ponte Viva busca priorizar pedestres e ciclistas e veta automóveis com apenas um ocupante

Por Mahara Aguiar*

Inaugurada em 1926, a Ponte Hercílio Luz evoca sentimentos diversos nos moradores de Florianópolis, capital de Santa Catarina. A ponte, patrimônio histórico e cultural catarinense, teve o trânsito de veículos interditado em 1982 por questões de segurança e estava em obras para restauração desde 2006. Um histórico de desistência de empresas adiou sua reabertura até dezembro de 2019, quando o acesso foi liberado, por algumas semanas, apenas para pedestres e ciclistas. 

“Ao invés de conectar veículos em grandes sistemas viários, buscamos conectar o lugar e as pessoas”, afirma Michel Mittmann, secretário de Mobilidade Planejamento Urbano de Florianópolis e idealizador do projeto Ponte Viva, sobre a reabertura da Ponte Hercílio Luz. 

Foto: Mahara Aguiar

Além de devolver o monumento aos moradores da cidade, a reabertura apresentou um novo projeto de mobilidade urbana, integrada e sustentável. Uma das novidades é o veto a carros com apenas um ocupante, para estimular o uso racional e o compartilhamento de veículos. Entenda as mudanças que, se levadas adiante e replicadas, simbolizam um novo modelo de cidade: 

  1. Valorização dos modais ativos

Seguindo a Política Nacional de Mobilidade Urbana, a Hercílio Luz priorizou ciclistas e pedestres, com reorganização do trânsito e criação de calçadas, ciclofaixas e ciclovias sobre a ponte e no seu entorno. Na ponte, o trânsito é segregado de forma quase absoluta. Duas vias laterais são destinadas a pedestres e ciclistas, protegidas por para-peitos das vias centrais, usadas por veículos motorizados.   

Para Marco Avila Ramos, arquiteto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) responsável por redesenhar a malha viária de acesso à ponte, o projeto idealizado pelo IPUF  não prioriza os carros. 

“Os veículos automotores que passam estão em velocidade reduzida. As calçadas estão no mesmo nível da via para os veículos, causando maior conforto aos pedestres e exigindo maior atenção de motoristas. [A ponte] é uma via compartilhada, e a preferência é dos pedestres e ciclistas” comenta.   

Estender as ciclofaixas a pontos centrais da cidade, no entanto, é um gargalo a ser resolvido. Segundo Michel Mittmann, a Secretaria de Mobilidade trabalha em projetos de conexão até ao Terminal de Integração Central de Ônibus, à Avenida Ivo Silveira e ao bairro Coqueiros, e para reorientar parte da sinalização viária do entorno da ponte, conferindo mais segurança a ciclistas. 

  1. Priorização dos modais coletivos e compartilhados

O Ponte Viva não encarou a Hercílio Luz como “mais uma avenida” destinada a carros individuais. O cálculo feito pelo projeto levou em consideração a quantidade de pessoas, e não de veículos, que atravessam a ponte. Com média de 1,29 passageiros por carro em Florianópolis, apenas quatro ônibus já levam o equivalente à uma Hercílio Luz lotada de carros. 

Está prevista no projeto a implementação gradual de até 67 linhas de ônibus na ponte, com a expectativa de transportar 75 mil passageiros/dia. A projeção foi impactada pela pandemia, com a paralisação no transporte coletivo de março a junho e pela diminuição de passageiros desde então.

Desde setembro carros compartilhados por duas ou mais pessoas também podem circular em dias e horários específicos. Não liberar o uso de carros com apenas uma pessoa, ao menos por hora, evita a chamada demanda induzida. “Quando se favorece um modal, convidamos as pessoas à esta categoria. E queremos quebrar o paradigma do carro individual”, diz Michel Mittmann. 

Entretanto, uma eventual abertura para carros de uso individual não está descartada, caso a Secretaria não projete impacto significativo na velocidade dos ônibus em horários de pico, como ocorreu com a liberação dos carros com mais de dois passageiros. 

  1. Foco nas pessoas, e não nos veículos

No longo prazo, a expectativa é fazer do entorno da Ponte Hercílio Luz um espaço de convivência, com praças e bicicletário destinados tanto ao turismo quanto aos moradores. Michel Mittmann aposta no adensamento urbano continental, em parceria ainda não concretizada com Governo do Estado, para apoio turístico, operacional e de conectividade. “A ideia é criar um local habitado, e não árido, como sistemas de transporte baseados no automóvel requerem”, aponta. 

Para Marco Ramos, foi preciso sair do lugar-comum de planejar cidades para veículos. “Queremos tornar o entorno da Ponte Hercílio Luz um lugar agradável de estar, não apenas de passagem. Que as pessoas possam se incluir neste ambiente múltiplo que a ponte se tornará”, finaliza.

*Mahara Aguiar foi uma das participantes do Lab 99 + Folha de Jornalismo 2020, oficina online para jovens jornalistas que selecionou 30 nomes entre candidatos de todo o País para receber mentoria dos jornalistas da Folha de S. Paulo, participar de imersão com especialistas e produzir especial da Folha sobre mobilidade urbana

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