Movimentos civis impulsionam rede cicloviária em Ilhéus, na Bahia

Para especialistas, participação da população no planejamento e investimento em ações educativas ajudam a reduzir conflitos e melhorar convivência

Por Jonathan Souza*

Quem se desloca de bicicleta na cidade de Ilhéus, no Sul da Bahia, conta hoje com uma rede cicloviária de cerca de 7 km de ciclovias e ciclofaixas na área urbana, que foram implantadas nos últimos dois anos. O avanço nos investimentos em infraestrutura cicloviária na cidade atende a uma antiga demanda dos ciclistas e movimentos em prol da mobilidade sustentável, mas ainda gera conflitos com motoristas, pedestres e comerciantes locais.

No mês passado, a implantação de um trecho de 1,2 km de ciclofaixas ligando os bairros Malhado e Barra, em Ilhéus-BA, comemorada por ciclistas como uma nova alternativa segura de deslocamento, não agradou alguns motoristas, que reclamam da redução do número de faixas do trânsito de carros, tornando o trânsito mais lento para quem dirige. 


Foto: Jonathan Souza

O debate não é novo. Em 2019, quando foram implantados os primeiros 2,7 km de vias cicláveis da cidade, no Malhado, comerciantes do bairro protestaram contra as mudanças no local, que teve alterações no sentido de ruas e em vagas de estacionamento. Na época, movimentos de ciclistas também ocuparam as vias para bicicleta em um movimento denominado “Ciclofaixa, Sim!”, cobrando a continuidade das ciclofaixas recém-instaladas, que foram mantidas. 

O ciclista e membro do coletivo Ciclomobilidade Urbana, Elvis Barbosa, foi um dos participantes do movimento e tem sido beneficiado com as novas vias cicláveis. Em julho deste ano, com a inauguração de 2,8 km de ciclovias e uma nova ponte entre a zona sul e o centro da cidade, ele ganhou mais segurança e 10 minutos de tempo no deslocamento da sua casa, no bairro Nossa Senhora da Vitória, até a área central.

Ele comemora os investimentos em mobilidade cicloviária no município, mas cobra maior planejamento da prefeitura nas intervenções. “As ciclofaixas estão funcionando, mas sua implantação precisava de um maior diálogo da prefeitura com os ciclistas e moradores das localidades onde as vias foram contempladas. Esses setores acabaram sendo pegos de surpresa, em um primeiro momento, com as novas faixas”, explica Barbosa.

Foto: Jonathan Souza

A engenheira de transportes e professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Peolla Stein, concorda com a necessidade de maior participação das comunidades locais no planejamento cicloviário. No entanto, ela ressalta que a resistência em destinar parte das vias para o uso dos ciclistas é um fenômeno que ocorre no mundo todo. “É fundamental que as intervenções respeitem as normas técnicas e também aliem participação social, conscientização ambiental e educação no trânsito. Quando as pessoas entendem a importância do uso da bicicleta, elas tendem a apoiar e incentivar esse tipo de requalificação urbana”, completa Stein.

O Instituto Nossa Ilhéus (INI) é uma das organizações da sociedade civil que tem atuado nos últimos anos na mobilização social em prol da mobilidade ativa no município. Em 2015, o INI colaborou com o Instituto de Urbanismo Colaborativo (COURB) na elaboração de um plano municipal de 35 km de ciclovias e ciclofaixas, que contou com a participação de mais de 200 ilheenses, através de um questionário virtual. O plano foi entregue ao prefeito e a dois secretários municipais de Planejamento da gestão atual, mas apenas alguns trechos de vias cicláveis implementadas pela prefeitura coincidem com o documento. Mais recentemente, entre 2017 e 2019, o Instituto atuou no projeto MobCidades: Mobilidade, Orçamento e Direitos, coordenado nacionalmente pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e financiado pela União Europeia. A ação teve como objetivo fortalecer movimentos da sociedade civil no monitoramento da Política de Mobilidade Urbana em dez cidades brasileiras. 

Foto: Ruy Penalva

“A participação da sociedade civil é fundamental para garantir a efetividade das políticas públicas de mobilidade, pois são as pessoas que vivem e são impactadas pela presença ou ausência dos investimentos públicos. Por isso, devem estar presentes desde o planejamento até a implementação dessas políticas”, enfatiza Maria do Socorro, presidente do Instituto Nossa Ilhéus.

Neste ano, motivadas pelas eleições municipais, as organizações da sociedade civil de Ilhéus mobilizaram os candidatos para se comprometerem com propostas em favor da manutenção, conexão e ampliação da rede cicloviária. Uma dessas iniciativas é a Campanha Mobilidade Sustentável nas Eleições, desenvolvida pela União de Ciclistas do Brasil (UCB), Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidadeapé) e projeto Como Anda, e coordenada localmente pelo Sindicato dos Agentes de Trânsito de Ilhéus (Sindatran) e Instituto Mobilis Brasil. O coletivo Ciclomobilidade Urbana e o movimento Preserva Ilhéus, do qual o INI faz parte, também elaboraram cartas-compromisso abrangendo a mobilidade cicloviária para adesão dos candidatos.

Além dessas iniciativas, os movimentos em prol da mobilidade ativa e sustentável ainda pretendem criar em 2021 um observatório de dados da mobilidade, além de desenvolver ações de conscientização sobre o tema, como campanhas, debates e bicicletadas, a fim de promover uma melhor convivência entre motoristas, pedestres e ciclistas.

*Jonathan Souza foi um dos participantes do Lab 99 + Folha de Jornalismo 2020, oficina online para jovens jornalistas que selecionou 30 nomes entre candidatos de todo o País para receber mentoria dos jornalistas da Folha de S. Paulo, participar de imersão com especialistas e produzir especial da Folha sobre mobilidade urbana

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