Se tem um carro, compartilhe!

Por Rodrigo Ferreira*

O surgimento do automóvel como bem de consumo, no começo do século XX, moldou profundamente o crescimento das cidades ao redor do mundo, que, ao longo das décadas seguintes, foram alvos de desenhos urbanos feitos para expandir ao máximo o uso deste bem. Vendido desde o princípio como símbolo de liberdade das famílias americanas, mais do que como pura solução de mobilidade urbana, o automóvel foi concebido como um bem de consumo, versátil às mais diversas necessidades das famílias, como viagens e outros deslocamentos em grupo, sendo necessário espaço interior para comportar essas pessoas. Entretanto, quase um século depois, com o crescimento das cidades e milhões de carros de família sendo usados para viagens individuais, fica evidente a ineficiência do espaço ocupado por veículos quase vazios e a necessidade de, com a tecnologia, repensar o uso destes automóveis, ainda tão comuns em nossas cidades.

Pensando na realidade atual, ainda que a posse do automóvel tenha perdido importância nas nossas cidades, sendo substituída cada vez mais por um comportamento mais multimodal e eficiente, a maioria das viagens de carro ainda transporta poucas pessoas. Em São Paulo, por exemplo, segundo dados da CET, cada veículo na cidade transporta uma média de 1,4 passageiros, um número bastante baixo. Neste cenário, a oportunidade de aumentar a ocupação por meio do compartilhamento de veículos precisa ser discutida.

Alguns números ajudam a mostrar como o maior compartilhamento de automóveis pode de fato trazer ganhos para a cidade. Uma pesquisa realizada pela Fipe em 2018 mostra, por exemplo, que caso 10% das viagens de automóvel feitas na Região Metropolitana de São Paulo fossem compartilhadas entre pelo menos 3 passageiros, o congestionamento diminuiria consideravelmente, com os tempos de viagem sendo reduzidos, em média, em mais de 4%. Essa redução seria ainda mais relevante nas periferias.

Com menores quantidades de tempo e dinheiro gastos com transporte, a economia das cidades também se beneficiaria diretamente. A mesma pesquisa da Fipe mostra que este maior compartilhamento dos automóveis poderia causar um aumento de mais de 80 mil vagas de trabalho alcançadas em média pelos trabalhadores, além de um aumento real de 0,3% nos salários e um impacto positivo de mais de R$ 361 milhões no PIB da região no longo prazo.

Com a ajuda da tecnologia, este potencial pode ser verdadeiramente atingido. Por meio dos algoritmos que unem pessoas com trajetos similares, por exemplo, aplicativos como a 99 fazem com que opções de transporte individual compartilhado surjam e direcione as cidades para este caminho no médio prazo. O 99Compartilha, modo em que a 99 conecta passageiros distintos em uma mesma viagem, com motoristas de aplicativo profissionais, é uma destas opções.

No entanto, como viagens de transporte por aplicativo ou táxi ainda representam uma parcela pequena das viagens por carro nas nossas cidades (perto de 4% na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo), opções de compartilhamento de viagens por carros de uso pessoal, como o 99Carona, são fundamentais para se alcançar este cenário desejado. Neste caso, as próprias viagens já feitas por automóvel privado (que são mais de 11 milhões por dia na RMSP), poderiam servir de alternativa para viagens de outras pessoas, permitindo que passageiro e motorista compartilhem custos de viagem e evitando mais deslocamentos feitos por carros com apenas uma pessoa.

Além dos impactos extremamente positivos que os cenários de compartilhamento vislumbram para o médio prazo, esta também pode ser uma ótima alternativa para o momento de retomada das atividades econômicas nas cidades brasileiras. Com muitas pessoas ainda receosas de voltarem ao transporte coletivo, o compartilhamento pode servir provisoriamente como alternativa econômica para boa parte dessas pessoas, evitando novas compras de automóveis próprios e permitindo que estas pessoas retornem ao transporte coletivo ao fim da pandemia.

Dessa forma, fica evidente os impacto potenciais positivos vinculados ao compartilhamento de carros, bens que sempre foram vistos como opções individuais e privadas, mas que podem agora serem reinventados em serviços de transporte mais democráticos e eficientes. Este fenômeno unido a políticas de valorização do transporte coletivo e do transporte ativo, que levará cada vez mais as pessoas para um comportamento mais multimodal, pode verdadeiramente transformar os espaços das nossas cidades.

*Rodrigo Ferreira é engenheiro e gerente de Políticas Públicas da 99

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