E se da noite para o dia carros individuais fossem varridos do mapa?

Urbanistas imaginam como seria Nova York se os espaços ocupados por pistas e vagas fossem devolvidos para as pessoas

Olhando para as cidades de antigamente, é fácil vislumbrar como o espaço urbano já deu mais prioridade para os pedestres. Mas o que antes eram calçadas inteiras livres só para caminhar, hoje são ruas e avenidas que se alargam e ganham novas faixas, e cidades que seguem se desenvolvendo a partir da ideia do uso do carro. Como seria se, nas cidades de hoje, os carros fossem simplesmente varridos do mapa da noite para o dia? O que faríamos com tantas vias, estacionamentos e pontes sem função? “E se devolvêssemos esses espaços aos nova-iorquinos?”, foi a indagação feita pelo escritório Practice for Architecture and Urbanism (PAU), fundado pelo urbanista de origem indiana Vishaan Chakrabarti. O experimento foi acompanhado e relatado por Farhad Manjoo, colunista do jornal The New York Times e crítico do uso dos carros individuais na cidade. Pela proposta do PAU, apenas esse tipo de carro é retirado das ruas — caminhões, ambulâncias, táxis e carros compartilhados via aplicativo continuariam rodando normalmente.

A primeira constatação foi que, somado todo o espaço dedicado a vagas e pistas de rolamento, seria liberada uma área quase quatro vezes maior que o Central Park. Com isso, seria possível redesenhar as ruas para que ganhassem uma ciclovia de cada lado, cada uma em uma direção. Elas seriam criadas rentes à calçada e com divisória de concreto para proteger dos veículos motorizados. Também percorreriam toda a orla, hoje tomada por vias expressas que bloqueiam a vista dos rios. O canteiro central poderia ter corredores de ônibus rápidos, para aliviar a superlotação do metrô. As áreas residenciais deixariam de ser dominadas por carros estacionados no meio-fio com pilhas de sacos de lixo se amontoando entre eles. Sem os carros, os resíduos poderiam ser condicionados em grandes contêineres e separados para reciclagem. 

Como seria a Adam Clayton Powell Jr. Bulevard com a 125th St, em concepção do PAU

Para os pedestres, a travessia no mesmo nível da rua, acompanhada por rampas de acesso, garantiria a segurança e o conforto de idosos, pais com crianças e pessoas com mobilidade reduzida. Áreas comerciais contariam com espaços de embarque e desembarque para quem chega via app ou de táxi. Pequenas lojas de conveniência, do tamanho de bancas de revistas, impulsionariam ainda mais os serviços locais, e espaços extras para mesas nas calçadas fortaleceriam o movimento de cafés e restaurantes.

A ideia desenvolvida pelo PAU resgata o propósito original de vias como a Park Avenue, que era um parque quando foi criada mas, ao longo dos anos, foi perdendo seu verde para o concreto, restando apenas um tímido canteiro central — algo que aconteceu em quase todas as grandes cidades do mundo. Repensar esses usos é uma tendência que ganhou força com a quietude experimentada no início da pandemia, quando o lockdown cumpriu a função de tirar os carros de cena e permitir que as pessoas voltassem a ouvir o canto de pássaros e o vento soprando as folhas nas árvores, sons bastante raros quando predominam as buzinas e os roncos de motores.

Uma nova Park Avenue, resgatando o caráter de parque original da avenida, em simulação do PAU

Mas a grande vitória do novo arranjo foi a preservação de vidas. Com média de dez pedestres mortos por mês em acidentes, Nova York passou dois meses sem registro de nenhuma fatalidade no trânsito. Na Califórnia, houve queda de 50% nas colisões, responsáveis por causar 6.000 vítimas, incluindo mortos e feridos, todos os meses. E se nos Estados Unidos morrem 40.000 pessoas por ano em acidentes, outras 50.000 morrem em decorrência de problemas respiratórios causados pela poluição despejada pelos escapamentos.

A priorização dos carros individuais não faz sentido sob nenhum aspecto, nem mesmo econômico. “Com valor de área estimado em US$ 1,7 trilhão, por que Manhattan oferece tanto para os carros?”, questiona Majoo. Difícil achar uma boa resposta.

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